sexta-feira, 29 de março de 2013

JÓ E SEUS AMIGOS---PARTE---04







Isto é muito notável. Seus amigos, pelo visto, não haviam proferido uma única palavra. Sentaram em absoluto silêncio, com suas vestes rasgadas e suas cabeças cobertas de cinzas, contemplando uma aflição tão profunda que era impossível de sondar. Jó mesmo foi quem rompeu o silêncio. Todo o terceiro capítulo consiste em um desabafo de seus amargos lamentos, evidenciando assim, tristemente, um espírito indômito. podemos dizer com certeza que é impossível que alguém que haja aprendido a dizer em alguma medida "seja feita a Tua vontade", possa alguma vez amaldiçoar o dia em que nasceu ou empregar a linguagem que vemos no terceiro capítulo do nosso livro. Sem dúvida, alguém pode dizer: "é fácil falar quando nunca nos tocou ter que suportar as terríveis provas de Jó". Isto é muito certo, e podemos agregar que nenhum outro homem haveria agido melhor em circunstâncias semelhantes. Tudo isto compreendemos perfeitamente; mas não muda em absoluto o grande ensino moral do livro de Jó, ensino que temos o privilégio de aprender. Jó era um verdadeiro santo de Deus; mas ele —como todos nós— necessitava conhecer a si mesmo. Precisava que as raízes ocultas do seu ser moral fossem descobertas ante seus próprios olhos, de modo que pudesse verdadeiramente aborrecer-se e arrepender-se no pó e nas cinzas. E necessitava, também, ter uma percepção mais profunda e verdadeira do que Deus era, para assim poder confiar nEle e justificá-Lo em todas as circunstâncias. Todas estas coisas, porém, as buscaremos em vão no primeiro discurso de Jó. "E Jó, falando, disse: Pereça o dia em que nasci, e a noite em que se disse: Foi concebido um homem! (...) Por que não morri eu desde a madre, e, em saindo do ventre, não expirei?" (3:2-3,11). Estes não são os pontos de um espírito contrito e quebrantado, nem de alguém que tem aprendido a dizer: "Sim, ó Pai, porque assim te aprouve" (Mateus 11:26). Se há alcançado um importante ponto na história da alma quando se és capaz de inclinar mansamente ante todas as dispensações da mão de nosso Pai. Uma vontade quebrantada é um dom precioso e extraordinário. Tem se alcançado um grau elevado na escola de Cristo quando se és capaz de dizer: "já aprendi a contentar-me com o que tenho" (Filipenses 4:11). Paulo teve que aprender isto. Não era conforme à sua natureza; e com certeza jamais o teria aprendido aos pés de Gamaliel. Teve que quebrar-se por completo aos pés de Jesus de Nazaré antes de conseguir dizer desde o fundo do coração: "estou contente". Teve que sopesar o significado destas palavras: "A minha graça te basta", antes de poder "se aperfeiçoar na fraqueza" (2 Coríntios 12:9). O homem que foi capaz de empregar esta linguagem é o antípoda do que pode amaldiçoar o dia em que nasceu, e exclamar: "pereça o dia em que nasci". Pense só num santo de Deus, num herdeiro da glória, dizendo: "pereça o dia em que nasci". Ah, se Jó tivesse estado em presença de Deus, nunca teria pronunciado palavras semelhantes! Teria sabido perfeitamente bem por que havia ficado com vida. Haveria um sentido claro e satisfatório para a sua alma do que Deus tinha reservado para ele. Haveria justificado a Deus em todas as coisas. Mas Jó não se encontrava na presença de Deus, senão na dos seus amigos, os quais demonstraram claramente ter pouco —ou nenhum—conhecimento do caráter de Deus e do verdadeiro objetivo dos Seus desígnios para com o Seu querido servo Jó.
                        Discursos dos amigos de Jó
Não é de nenhuma forma o nosso propósito realizar uma exame minuciosa das extensas discussões que se sucederam entre Jó e seus amigos, discussões que abarcam mais de 29 capítulos. Só citaremos alguns fragmentos dos discursos dos três amigos, o que possibilitará ao leitor formar-se uma idéia do verdadeiro terreno em que estes homens estavam errados.
                              Elifaz e a experiência
Elifaz é o primeiro em tomar a palavra. "Então respondeu Elifaz, o temanita, e disse: Se intentarmos falar-te, enfadar-te-ás? Mas quem poderá conter as palavras? Eis que ensinaste a muitos, e esforçaste as mãos fracas. As tuas palavras levantaram os que tropeçavam, e os joelhos desfalecentes fortificaste. Mas agora a ti te vem, e te enfadas; e, tocando-te a ti, te perturbas. Porventura não era o teu temor de Deus a tua confiança, e a tua esperança a sinceridade dos teus caminhos? Lembra-te agora de qual é o inocente que jamais perecesse? E onde foram os sinceros destruídos? Segundo eu tenho visto, os que lavram iniqüidade e semeiam o mal segam isso mesmo" (4:1-8). Assim também: "Bem vi eu o louco lançar raízes; mas logo amaldiçoei a sua habitação" (5:3). E também: "Eis que bem-aventurado é o homem a quem Deus castiga; não desprezes, pois, o castigo do Todo-Poderoso" (5:17). A partir destas declarações resulta evidente que Elifaz pertencia a essa classe de gente que gosta de argüir se baseando na própria experiência. Seu ditado era: "Eu vi". Agora bem, é possível que o que hajamos "visto", seja o que for, seja absolutamente verdadeiro. Mas é um erro terrível fazer da nossa experiência individual uma regra geral; porém, milhares têm esta inclinação. O que tinha a ver, por exemplo, a experiência de Elifaz com a situação de Jó? Talvez ele jamais se encontrou com um outro caso exatamente igual ao de Jó; e embora houvesse existido um único rasgo de disparidade entre os dois casos, toda a argumentação baseada na experiência de um deles não teria sido de utilidade alguma para o outro. E isto fica claro no acontecido a Jó: assim que Elifaz acabou de falar, Jó —quem não lhe havia prestado a menor atenção—, prosseguiu falando das próprias aflições, intercalando palavras de justificação própria e amargas recriminações contra os desígnios de Deus (cap. 6 e 7).
                                 Bildade e a tradição
Bildade é o segundo a falar. Ele se instala sobre um terreno completamente diferente daquele do seu amigo. Não menciona nem uma vez só as suas experiências, nem o que fosse resultado da sua própria observação. Apela à antiguidade. "Porque, eu te peço, pergunta agora às gerações passadas, e prepara-te para a inquirição de seus pais. Porque nós somos de ontem, e nada sabemos; porquanto os nossos dias sobre a terra são como a sombra. Porventura não te ensinarão eles, e não te falarão, e do seu coração não tirarão razões?" (8:8-10). Agora bem, devemos admitir que Bildade nos conduz a um campo muito mais vasto que aquele de Elifaz. A autoridade de uma multidão de "padres" tem muito mais peso e respeitabilidade que a experiência de um simples indivíduo. Por outra parte, se deixar conduzir pela voz de uma multidão de homens sábios e eruditos parece muito mais modesto que fazê-lo à luz da experiência de um só deles. Mas o assunto é que nem a experiência nem a tradição servirão de nada. A primeira, até onde chega, pode ser verdadeira; mas dificilmente acharemos duas pessoas cujas experiências coincidam de maneira perfeita. Referente à segunda, é uma profusa confusão; pois um difere doutro, e nada pode ser mais volúvel e incerto do que a voz da tradição ou a autoridade dos pais. Em conseqüência, como era de se esperar, as palavras de Bildade não afetaram mais a Jó do que as de Elifaz. Um estava tão longe da verdade quanto o outro. Se eles tivessem apelado à revelação divina, quão diferentes teriam sido os resultados! A verdade de Deus é a única regra, a única grande autoridade. É segundo a sua medida que todo deve ser medido; e todos, antes ou depois, deverão inclinar-se sob a sua autoridade. Ninguém tem o direito de estabelecer a sua experiência como regra para os outros. E se nenhum homem tem este direito, também não o tem uma multidão de homens. Em outras palavras, é a voz de Deus —não a voz do homem— a que nos deve governar. Nem a experiência nem a tradição, senão a Palavra de Deus sozinha é a que pronunciará o juízo no último dia. Fato solene e importante! Não o percamos nunca de vista! Se Bildade e Elifaz tivessem discernido isto, as suas palavras teriam exercido muita mais influência no seu afligido amigo.
                             Zofar e a legalidade
Consideremos agora brevemente a primeira parte do discurso de Zofar, o naamatita: "Mas, na verdade, oxalá que Deus falasse e abrisse os seus lábios contra ti, E te fizesse saber os segredos da sabedoria, que é multíplice em eficácia; pelo que, sabe que Deus exige de ti menos do que merece a tua iniqüidade" (11:5-6). "Ainda que ele me mate, nele esperarei; contudo, os meus caminhos defenderei diante dele" (13:15). Estas palavras têm um forte gosto a legalidade. Mostram claramente que Zofar não tinha um sentido justo do caráter de Deus. Não conhecia a Deus. Nenhum que possua o verdadeiro conhecimento de Deus poderia falar dEle como de alguém que abre a boca contra o pobre pecador afligido ou que exige algo de uma criatura desvalida e necessitada. Deus bendito seja Seu Nome por sempre— não é contra nós, senão por nós (Romanos 8: 31). Ele não é um cobrador ou um demandante legal, senão um generoso doador. Observemos nos últimos versículos que limos; Zofar diz: "Se tu preparaste o teu coração" (11:13). Agora bem, que aconteceria se Jó não tivesse preparado o seu coração? É verdade que um homem deveria ter sempre disposto o seu coração; mas isso não será possível em tanto e enquanto o seu estado moral seja bom. Jó, lamentavelmente, não se encontrava num bom estado, pelo que, quando tenta dispor seu coração, não acha nele outra coisa senão iniqüidade. Então, o que deveria fazer ele? Zofar não podia lhe dizer —como também não podiam nenhum dos outros da sua escola—. Eles somente conheciam a Deus como um severo opressor, como alguém que só abre a sua boca para falar contra o pecador. Haveremos, pois, de assombrar-nos de que Zofar estivesse tão longe de redargüir a Jó quanto os seus dois companheiros? Todos eles estavam completamente errados. A tradição, a experiência e a legalidade são todas igualmente defeituosas, limitadas e falsas. Nenhuma desta três coisas —nem as três juntas— poderiam ter sido uma ajuda para Jó. Elas só "escurece(m) o conselho, com palavras sem conhecimento" (38:2). Nenhum dos três amigos compreendeu a Jó; ainda mais, eles não conheciam o caráter de Deus nem o seu propósito a respeito da prova do servo. Estavam completamente errados. Não sabiam como apresentar a Deus ante Jó e, conseqüentemente, também não souberam levar a consciência do seu amigo à presença mesma de Deus. Em vez de conduzi-lo ao julgamento de si mesmo, só contribuíram a sua própria justificação. Não introduziram a Deus em suas conversas. Falaram algumas coisas verdadeiras, mais não possuíam a verdade. Trouxeram à luz as suas experiências, a sua tradição e a sua legalidade, mas não expuseram a verdade.

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